Enquanto aquele dia enevoado findava-se, ele
aproveitou o pouco da claridade cinzenta que entrava pela janela. No quarto, a
penumbra era suficiente para lançar luz nos papéis sobre a mesa. Começou a
revirá-los. Mexe daqui, mexe dali. Os movimentos dos braços, em incessante
busca, aumentavam a desorganização dos papéis. Conseguiu. Pausa e suspiro de
alívio: estava às mãos o que queria. Trouxe, para próximo dos seus olhos, as
duas fotos que procurava – queria ver mais de perto aquele momento, já distante
e cristalizado.
Nas fotos, ele e seu pai: sorrisos largos,
abraçados, como dois grandes amigos. Na primeira, os dois com gorros rubros,
sentados, lado a lado, no sofá bege da sala. Ao lado, um miúdo pinheiro de
folhas verdes e artificiais, ornado de pequenas bolas douradas e vermelhas: era
natal. Na segunda foto, estavam os dois em pé, próximos à churrasqueira de
barro: era dia de festa na casa.
Olhou demoradamente para elas enquanto revivia cada
um daqueles momentos em sua memória.
– Parece que foi ontem – disse para si,
levando as mãos à cabeça. E, enquanto ali se deteve, levantou o semblante;
voltou-se para a janela. Fechou os olhos. Conteve as lágrimas.
– Não, não... não posso chorar, meu pai não iria
gostar.
Os
anos de cumplicidade vieram à mente naquele encontro com o passado. Já faz
alguns meses, pensou. Sentia que o caminhar dos dias não ia diminuir o
sentimento de desamparo. Precisava guardar qualquer coisa que fizesse jus à
presença daquela figura paterna. Achou as fotos que queria, mas a evocação
dessas lembranças só aumentou a sua angústia diante do destino implacável.
Tudo
aconteceu de forma tão repentina! Estranhou a sensação de distância entre o
passado e o presente. Parece que havia só alguns dias que tinha feito suas
ligações noturnas ao pai. Quando começavam a falar, se demoravam em seus
telefonemas: conversavam amenidades; discutiam coisa séria.
Sentou-se
na cadeira próxima à mesa, e pôs-se a refletir. Pensou como todas aquelas
cotidianidades eram importantes para ele. Gostava de ouvir as opiniões do seu
pai nos assuntos mais miúdos.
– Será que ele sabia o quanto tudo isso era
importante para mim? – proferiu em voz alta
Tentando
se recompor, encarava as fotos novamente, colocadas em cima da mesa. Ali,
sentado, adveio a idéia que há no mundo insignificâncias insubstituíveis, como
aquelas que praticava com o pai.
Virou-se
para janela novamente. A penumbra se dissipara, e uma escuridão tomara conta do
quarto: a noite chegou. Não teve forças para levantar-se e acender a luz. Em
meio às reflexões, um cansaço o abatera. Os meses, desde que tudo aconteceu,
pesavam as costas. Seguia, um dia após o outro, fiel à rotina, mas sem o mesmo
vigor – a vida já não era mais a mesma. Perdeu um dos seus combustíveis
diários. Esse pensamento era o único que lhe fazia sentido para explicar aquele
abatimento incomum.
Quis
ver se havia algo de novo no celular. Olhou rapidamente a tela: uma mensagem;
era sua namorada perguntando se estava tudo bem. Ela sabia que ele ia retornar
à casa que crescera – de onde se mudou havia tempo. Incentivado pelo próprio
pai, foi ganhar a sua vida; traçar novos rumos. Não quis responder à mensagem.
Colocou o aparelho no silencioso e desligou a tela. Sem perturbações.
Ao
virar o rosto, viu a cama que passou anos sendo o porto dos seus sonhos. Quis
jogar-se ali para tentar reviver aqueles tempos. Pensou em quão bom seria fugir
da sensação de desalento, de desabrigo da alma. Desejava, por um momento, que
tudo fosse onírico; se cansou de carregar a vigília do presente.
Colocou
os braços sobre a mesa e encostou sua testa sobre eles. A mãe o gritara
– Oh, menino! Você não vai vir comer não? Desce
daí!
A mãe tinha feito arroz, feijão, bife, fritas...
tudo aquilo que ele adorava; bastava a mesa estar pronta e ele não perdia tempo
para fartar-se. Mas, ao pensar na velha mesa da cozinha posta, pensou no seu
pai, nos jantares em família. Subiu-lhe um mal-estar. A imagem das suas comidas
preferidas não o apetecia. Tudo se transfigurou, ganhou um ar
mórbido. O simples ato de imaginar-se colocando o garfo na boca revirava o estomago.
Não era desse alimento que precisava. Deu uma lufada, recuperou o fôlego e
respondeu à mãe
– Não, mãe, não quero comer. Estou sem fome!
Parabéns!!! Excelente!!! Ansiosa pelo próximo... ��������
ResponderExcluirValeu, Maira! Obrigado! Pode deixar que os próximos já estão por vir!
ExcluirVocê é muito bom...Deus te abençoe!
ResponderExcluirMuito obrigado, Angélica!
ExcluirBoa
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