quinta-feira, 9 de abril de 2020


Um testemunho da terra dos sentimentais.

Vocês devem achar que eu gosto de falar mal de brasileiro, né? Que é algum tipo de prazer sádico. Ou, quem sabe, uma espécie de autoflagelo, tendo em vista que sou tão brasileiro – carioca ainda por cima! – quanto qualquer um outro aqui.  Mas, vou ser sincero com vocês: pior que não faço por mal. Se faço, é por uma necessidade mental. É, digamos, para manter a sanidade, ou, melhor: faço para tomar consciência da minha própria situação enquanto vivente desta terra onde não se vêem mais palmeiras, muito menos se escuta o canto dos sabiás   porque, se eu os ouvisse cantarolando por aí, aliviaria o meu pesar. Vejam meu testemunho quase como uma espécie de "exame de aptidão psicológica ". Escrevo para atestar que não caí em uma sandice. Desculpem-me, mas devo confessar o seguinte: se eu não botasse essas coisas "para fora", correria o risco de perder o tino, ou, como os muitos dizem por aí, ficar como os “doidos varridos” que, sem rumo e sem destino, birutinhas da Silva, andam a “bater cabeças” nas esquinas.     
 Pois bem, para não tomar muito vosso tempo, cá estou eu para falar de mais uma nota caricatural da nossa gente, e quero que vocês sejam minhas testemunhas, reparem só: o brasileiro é ou não é um sujeito muito sensível? Daqueles que levam “pouca coisa” para o lado pessoal, e do tipo afetivo que meia dúzia de duras palavras já são estacas enterradas no frágil coraçãozinho? O que eu quero dizer com isso, você se pergunta?!   Lhes darei um exemplo concreto: imaginemos um amigo nosso; um amigo, não! Um fiel escudeiro! Aquele tipo de pessoa que quando sabe que você está mal é a primeira a te dar aquela “moral”. Se a situação ficar feia, você sabe que com ela não vai ter “tempo ruim”. Conseguiu visualizar? Agora, vamos supor dois brasileirinhos assim, mui amigos, com esse tipo de amizade que você acabou de imaginar.  Os dois estão conversando sobre um terceiro sujeito, um profundo desafeto de um deles. De repente, aquele outro, cujo o tal do desafeto não fede nem cheira, diz para o segundo assim “meu camarada, eu sei que você tem essa desavença com o sicrano, mas nessa questão, em particular, em que vocês se desentenderam, ele está certo e você está errado.  Para ser sincero, você está sendo muito infantil tentando lidar com isso tudo.”. Daí o esbaforido “camarada”, já flamejante como em um incêndio súbito e irrefreável, diz “Como assim?! Você não é meu amigo?! Como pode você dar razão a um sujeitinho daqueles, e logo eu, que sou seu camarada de longa data, tu me falas uma coisa dessas?". Agora, congelemos a cena e pensemos: quantas incontáveis vezes já vimos tais reações semelhantes entre os nossos? Quantas vezes, não testemunhamos o romper de uma longa “amizade”, ou o insurgir de disputas estéreis, seja na fila do pão, seja nesta rede virtual em que vos falo, por pura afetação e sentimentalismo pueril?  Em terras tupiniquins, não basta ter razão, ou estar correto; não, só isso não basta para afagar a alma do brasileiro, ávida por mimos: você tem que ser simpaticíssimo, se não, nada feito.  Ai de quem violar esta regra! É o “décimo primeiro mandamento” por aqui.  Se dissermos que “fulano”, estimado por muitos, era um salafrário, um picareta da pior estirpe, dirão “Mas como pode? Ele é tão gente boa”. 
Não me entendam mal. Eu não tenho nada contra aqueles que se esforçam para serem simpáticos – e nem contra os que assim são naturalmente. Acho louvável a atitude de quem busca fazer de sua própria presença um agradável passatempo. Mas, pera lá, viver sobre a tirania dos sorrisos insinceros e da estima falsária? Não, amigos, eu digo não. Não posso estar de acordo com esta inversão da ordem natural das coisas. É de dar dores na fronte pensar em tal admoestação da razão. Eu não sei o que se passa nos miolos dos meus colegas compatriotas, mas tenho para mim que a mais simples distinção entre ter sapiência daquilo que pertence ao idealizado mundo dos afetos e , prudentemente, daquilo que pertence à concretude do mundo real, é a mais hercúlea das tarefas a ser empreendia por aqui. Eu não sei vocês, mas, cá entre nós, em uma terra em que aparências e vaidades, movida pelo mais tacanho sentimentalismo, fazem fama, sobrepondo-se à verdade e à retidão, só pode ser uma terra de loucos, não acham?