Um testemunho da terra dos sentimentais.
Vocês devem achar que eu gosto de falar mal de brasileiro, né? Que é
algum tipo de prazer sádico. Ou, quem sabe, uma espécie de autoflagelo, tendo
em vista que sou tão brasileiro – carioca ainda por cima! – quanto qualquer um
outro aqui. Mas, vou ser sincero com
vocês: pior que não faço por mal. Se faço, é por uma necessidade mental. É,
digamos, para manter a sanidade, ou, melhor: faço para tomar consciência da
minha própria situação enquanto vivente desta terra onde não se vêem mais
palmeiras, muito menos se escuta o canto dos sabiás – porque, se eu os ouvisse cantarolando por aí,
aliviaria o meu pesar. Vejam meu testemunho quase como uma espécie de
"exame de aptidão psicológica ". Escrevo para atestar que não caí em
uma sandice. Desculpem-me, mas devo confessar o seguinte: se eu não botasse
essas coisas "para fora", correria o risco de perder o tino, ou, como
os muitos dizem por aí, ficar como os “doidos varridos” que, sem rumo e sem
destino, birutinhas da Silva, andam a “bater cabeças” nas esquinas.
Pois bem, para não tomar muito
vosso tempo, cá estou eu para falar de mais uma nota caricatural da nossa
gente, e quero que vocês sejam minhas testemunhas, reparem só: o brasileiro é
ou não é um sujeito muito sensível? Daqueles que levam “pouca coisa” para o
lado pessoal, e do tipo afetivo que meia dúzia de duras palavras já são estacas
enterradas no frágil coraçãozinho? O que eu quero dizer com isso, você se
pergunta?! Lhes darei um exemplo
concreto: imaginemos um amigo nosso; um amigo, não! Um fiel escudeiro! Aquele
tipo de pessoa que quando sabe que você está mal é a primeira a te dar aquela
“moral”. Se a situação ficar feia, você sabe que com ela não vai ter “tempo
ruim”. Conseguiu visualizar? Agora, vamos supor dois brasileirinhos assim, mui
amigos, com esse tipo de amizade que você acabou de imaginar. Os dois estão conversando sobre um terceiro
sujeito, um profundo desafeto de um deles. De repente, aquele outro, cujo o tal
do desafeto não fede nem cheira, diz para o segundo assim “meu camarada, eu sei
que você tem essa desavença com o sicrano, mas nessa questão, em particular, em
que vocês se desentenderam, ele está certo e você está errado. Para ser sincero, você está sendo muito
infantil tentando lidar com isso tudo.”. Daí o esbaforido “camarada”, já
flamejante como em um incêndio súbito e irrefreável, diz “Como assim?! Você não
é meu amigo?! Como pode você dar razão a um sujeitinho daqueles, e logo eu, que
sou seu camarada de longa data, tu me falas uma coisa dessas?". Agora, congelemos
a cena e pensemos: quantas incontáveis vezes já vimos tais reações semelhantes
entre os nossos? Quantas vezes, não testemunhamos o romper de uma longa
“amizade”, ou o insurgir de disputas estéreis, seja na fila do pão, seja nesta
rede virtual em que vos falo, por pura afetação e sentimentalismo pueril? Em terras tupiniquins, não basta ter razão, ou
estar correto; não, só isso não basta para afagar a alma do brasileiro, ávida
por mimos: você tem que ser simpaticíssimo, se não, nada feito. Ai de quem violar esta regra! É o “décimo
primeiro mandamento” por aqui. Se
dissermos que “fulano”, estimado por muitos, era um salafrário, um picareta da
pior estirpe, dirão “Mas como pode? Ele é tão gente boa”.
Não me entendam mal. Eu não tenho nada contra aqueles que se esforçam
para serem simpáticos – e nem contra os que assim são naturalmente. Acho louvável
a atitude de quem busca fazer de sua própria presença um agradável passatempo. Mas,
pera lá, viver sobre a tirania dos sorrisos insinceros e da estima falsária? Não,
amigos, eu digo não. Não posso estar de acordo com esta inversão da ordem
natural das coisas. É de dar dores na fronte pensar em tal admoestação da razão.
Eu não sei o que se passa nos miolos dos meus colegas compatriotas, mas tenho para
mim que a mais simples distinção entre ter sapiência daquilo que pertence ao idealizado
mundo dos afetos e , prudentemente, daquilo que pertence à concretude do mundo
real, é a mais hercúlea das tarefas a ser empreendia por aqui. Eu não sei
vocês, mas, cá entre nós, em uma terra em que aparências e vaidades, movida
pelo mais tacanho sentimentalismo, fazem fama, sobrepondo-se à verdade e à
retidão, só pode ser uma terra de loucos, não acham?
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