Vendo o documentário "Indústria Americana" fiquei pensando que, talvez, a grande marca que diferencia o Ocidente do Oriente é o princípio da liberdade. Explico: na antiguidade, os gregos costumavam se distinguir dos bárbaros por meio da língua. No entanto, para os helenos, falar grego não significava somente um modo de se comunicar, mas sim de partilhar toda uma visão de mundo grega; era reconhecer os costumes e valores que os tornavam gregos por excelência – e não bárbaros. Um dos princípios, que regia o modo como os gregos se viam e se diferenciavam, principalmente, dos povos orientais, comentado pelo historiador Kitto, era o de Eleutheria – que pode ser traduzido, aproximadamente, como liberdade. Todavia, Eleutheria não significa liberdade em seu sentido frouxo, isto é, de fazer o que bem entendemos, mas sim, de termos a nossa dignidade humana reconhecida no interior de uma comunidade. A autonomia grega significava que a vida seria regida por leis que preservassem o senso de justiça construído no interior da polis – como na democracia ateniense a participação das decisões na assembleia, ou, como na constituição Espartana, na escolha dos éforos (magistrados). Para os gregos, então, os regimes despóticos orientais só podiam ser, de fato, hábitos de bárbaros. Se curvar à obediência sem sentido e ser regido por vontades arbitrárias era uma afronta à alma grega. Homero, no canto XVII, diz mais ou menos assim “Zeus retira ao homem metade da sua humanidade, no dia que a escravidão se apodera de sua alma”.
Pois bem, o
fato é que essa presença da liberdade, como Eleutheria, ajudou a formar o Ocidente.
Se esbarramos, ao abrir os livros de história, com inúmeras lutas em prol do
reconhecimento da dignidade humana é porque, em algum lugar em nossa alma,
ainda cintila aquela chama que guiava a consciência dos gregos. Ao me defrontar
com a subserviência irracional dos chineses me espanto como talvez um Sócrates
ou um Píndaro se espantaria. Uma das cenas mais marcantes é quando um dos
americanos diz que, ao perguntar a um dos chineses “Por que fazer isso tudo? Por
que esse trabalho exaustivo sem sentido?”, eles simplesmente o olhavam e saiam
sem responder uma palavra. Talvez, de fato, a própria autonomia, não só da
própria vida, mas da consciência, para termos a liberdade de soltarmos um
simples “Por quê?” em busca de uma razão, seja estranho ao mundo oriental – e por
isso, quando Heidegger disse que a filosofia era genuinamente grega, ele estava
certíssimo, a meu ver. Portanto, “Industria Americana” vai além de um China X
EUA, é algo muito mais profundo do que isso. Se trata não só de
choques culturais entre países, mas entre cosmovisões (Ocidente x Oriente). É
claro que EUA e China não são todo o Ocidente, ou todo o Oriente, mas eles
estão inseridos em cosmovisões que moldaram e guiaram o curso de suas histórias.
Agora, se nos espantamos com todos aqueles hábitos, que a nós nos causam horror,
digo que o importante é não deixar que a chama se apague no nosso interior. Em
tempos de obscurecimento daquilo que nos trouxe até aqui, ainda é preciso nos lembrarmos de quem somos: ocidentais.
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